Lugar de fala, apropriação cultural, práticas corporativas inclusivas, diversidade, equidade… Pois é, o mundo ficou mais complexo por vários bons motivos, e as empresas correm para corrigir falhas que deveriam ter sido resolvidas há muito tempo. Um dos desafios atuais nesse contexto é o uso apropriado de palavras e termos que não reforcem preconceito racial ou outro preconceito discriminatório.
Escrever de forma inclusiva dá trabalho. Fazer o rebranding de marcas famosas para eliminar de seus nomes algum tipo de preconceito ou para sair de uma saia justa, também. Vamos combinar que estamos todos praticando a “desaprendizagem” quando se trata de repensar a comunicação corporativa e a conversa no workplace. Ninguém está isento dessa desaprendizagem, inclusive as empresas de tecnologia.
A área de Tecnologia da Informação da Universidade de Washington levou a sério a tarefa de revisar a linguagem e os termos da tecnologia e criou o primeiro Guia de Linguagem Inclusiva para software e outras áreas de conteúdo ligadas à tecnologia da informação. O guia é uma criação coletiva e teve participação também de outras universidades e de representantes de empresas do setor.
O resultado é uma lista inicial com 85 palavras e expressões em uso na TI classificadas como racistas, ageístas, sexistas, homofóbicas e discriminatórias contra pessoas com deficiência, entre outros itens. O trabalho dos pesquisadores foi de classificar as palavras, idenficar potenciais substitutas e explicar porque elas carregam algum tipo de preconceito, inclusive localizando a origem histórica do termo. E como TI é uma linguagem universal, muitas delas fazem parte do nosso repertório também. Portanto, veja alguns exemplos:
- Servidor master/slave (mestre-escravo) – essa é meio óbvia, claro, e já vem sendo endereçada pelo GitHub e pela Microsoft. Alternativas possíveis: servidor primário, servidor secundário
- BlackBox/whitebox – mudar para visível/invisível é uma das sugestões
- Whitelist/Blacklist – mesmo princípio de se aplica, já que o termo black é usado com uma conotação negativa
- Hacker BlackHat para o mal, e WhiteHat para o bem – não mais. Sugestão: hacker ético e hacker não-ético
- Ninja/guru – trocar por expert. Por quê? Porque sinaliza apropriação cultural e, na maioria das vezes, refere-se apenas a homens
A lista segue abordando vários termos, como cakewalk, por exemplo, que têm origem no passado escravagista dos Estados Unidos, ou jerry-rigged, associado de forma pejorativa aos alemães durante as grandes guerras mundiais, ou red team, que remete à Rússia no período da Guerra Fria, e que deveriam ser eliminados. Veja alguns exemplos que podem não ter entrado no seu radar:
- Cakewalk – usado para definir uma vitória ou tarefa fácil. Porque não usar: o termo cakewalk remete a uma dança pré-Guerra Civil realizada por pessoas escravizadas, que daria um bolo (cake) a quem vencesse.
- Grandfather – caracteriza legado ou regras mais antigas de TI. Porque não usar: porque era usada em 1890, no sul dos Estados Unidos, como forma de driblar a 15a Emenda e impedir pessoas negras de votar.
- Mob programming – usado para definir uma tarefa de programação em que todo o time se envolve. Porque não usar: porque o termo mob é pejorativo e historicamente está associado a preconceito racial caracterizando negativamente as pessoas do grupo.
- peanut gallery – define assentos ou alas de um auditório que têm ingresso mais barato. Porque não usar: porque o termo se referia, no passado, aos lugares reservados a escravos e pessoas de origem afroamericana.
- cripple – parte danificada de um programa ou equipamento com defeito. Porque não usar: porque é uma palavra usada para identificar pessoas com deficiência de forma pejorativa.
- man-in-the-middle – na área de cibersegurança refere-se a ataques nos quais o criminoso está inserido entre duas máquinas que se comunicam sem perceber sua presença. Porque não usar: termo sexista porque a palavra homem é não inclusiva.
- Mom/girlfriend test – geralmente usada para definir testes de usabilidade e facilidade. Porque não usar: porque é totalmente sexista e ageísta e parte do princípio de que mulheres (mãe ou namorada) têm habilidades reduzidas frente a outras pessoas.
Parece exagero? Não necessariamente. O escritor John Koenig, autor do livro “The Dictionary of Obscure Sorrows“, diz em entrevista à McKinsey que o mundo ainda precisa que inventemos muitas palavras (coisa que ele faz no livro), pois em um mundo de mudança contínua não temos um estoque preciso de “palavras reais” que possam expressar novos sentimentos, novos movimentos culturais e novos valores.
“A palavra robô não existia até que alguém a inventasse. Assim como a palavra nerd foi criada pelo Dr. Seuss porque ele precisava de uma rima”, brinca Koening. “Agora é hora de definir o mundo como o vemos, e ele está muito mais complexo, multifacetado e delicado”.
Links úteis
- Um guia de linguagem inclusiva da Deloitte para o trabalho
- Em português, um manual de linguagem neutra para tecnologia da Thoughtworks
- 70 princípios de linguagem inclusiva para recrutadores
- A importância do design e da linguagem inclusiva em tech
- O guia de linguagem inclusiva da IBM
- Uma lista, em movimento, de linguagem inclusiva para startups