Estamos vivendo um novo ciclo de expansão energética, que está sendo definido como “Age of Electricity”, ou a Era da Eletricidade, segundo o relatório recém-publicado pela IEA (Agência Internacional de Energia). Uma era em que a demanda global crescerá entre 40% e 50% até 2035, puxada por digitalização, mobilidade elétrica, climatização e data centers. O aumento dessa demanda vai esbarrar nos investimentos em redes elétricas, que atingiram US$ 400 bilhões em 2024, menos da metade do US$ 1 trilhão por ano investido em geração elétrica. Um descompasso que gera gargalos e eleva tarifas, além de perder dinheiro com a ineficiência.
O relatório “World Energy Outlook 2025” aponta que mesmo representando apenas 21% do consumo final de energia, a eletricidade é dominante em setores que compõem mais de 40% do PIB global. E o crescimento na demanda é puxado por uma convergência de elementos:
- Aumento do uso de eletrodomésticos e ar-condicionado
- Expansão da mobilidade elétrica
- Crescimento de data centers e aplicações de IA
- Maior eletrificação de processos industriais e aquecimento residencial.
Esse descompasso gera:
- Congestionamento e atrasos na conexão de novas fontes
- Aumento nos preços de eletricidade
- Crescente desperdício com despacho negativo ou restrições em eólicas e solares.
A IEA indica que a transição para uma energia mais limpa, segura e acessível é tecnicamente viável e, em muitos casos, economicamente vantajosa. Mas a execução está aquém do necessário, especialmente em países emergentes que concentram a maior parte do crescimento futuro.
O novo mapa: Ásia lidera, América Latina ganha espaço
O protagonismo da demanda energética está se deslocando rapidamente da China para um grupo mais amplo de economias emergentes: Índia, Sudeste Asiático, América Latina, Oriente Médio e África. Enquanto os países desenvolvidos mantêm o consumo de energia estável ou em queda, essas regiões responderão por quase 80% do aumento da demanda energética global até 2035. São regiões com alta incidência solar, favorecendo a expansão da energia solar.
A Índia lidera o crescimento absoluto da demanda em vários setores, incluindo transporte e eletricidade. O país deverá responder por 20% do aumento da demanda global de energia até 2035. A geografia do consumo se alinha cada vez mais com áreas de alta irradiação solar, favorecendo tecnologias fotovoltaicas e ampliando o desafio da refrigeração.
Na América Latina, os dados do relatório de investimento da IEA mostram que
- A participação das fontes renováveis na matriz elétrica regional já ultrapassa 60%, e poderá chegar a 75% em 2035, caso se mantenham os investimentos observados em Brasil, Chile e Colômbia.
- A América Latina representa cerca de 6% da demanda global de energia primária, mas 12% da geração global de energia limpa, o que reforça sua importância desproporcional na transição.
- A região abriga 40% das reservas globais de lítio e 25% das de cobre, elementos essenciais para a cadeia de eletrificação, tornando a região estrategicamente central na geopolítica da energia limpa.
O Brasil aparece bem na foto. Líder regional em energia renovável, o Brasil é citado entre os países que mais influenciam as tendências globais de mercado, junto a Indonésia e Índia. Assim como o Chile, o Brasil é citado como caso de sucesso na integração de energia solar e eólica em larga escala.
- O setor de energia brasileiro é “um dos menos intensivos em carbono no mundo”, com fontes renováveis atendendo cerca de 45% da demanda primária de energia.
- Em geração elétrica, a hidrelétrica é dominante: cerca de 80% da geração doméstica de eletricidade provém de grandes centrais hidrelétricas.
- Projetos solares (em escala utility + distribuída) “representarão quase 70% de todas as adições” no Brasil nos próximos anos.
- A demanda primária de energia no Brasil dobrou desde 1990, puxada por forte crescimento no consumo de eletricidade e de combustíveis no transporte.
- Quanto à produção de etanol, “o suprimento de etanol está estimado em média de 660 kb/d (mil barris por dia) em 2026, um aumento de aproximadamente 90 kb/d comparado com 2020 e 35 kb/d acima de 2019”.
- Sobre petróleo: o Brasil se tornou exportador líquido de petróleo em 2017; e a oferta total de petróleo no país era esperada para crescer mais de 1,2 Mb/d para alcançar cerca de 4,2 Mb/d em 2026.
A energia como questão de segurança nacional
O relatório da IEA trata a segurança energética como questão central de governança. O conceito vai além de petróleo e gás, incorporando riscos:
- Geopolíticos, como conflitos e sanções
- Tecnológicos, como ciberataques
- Climáticos, como secas e eventos extremos
- E, principalmente, minerais críticos
Hoje, a China domina o refino de 19 dos 20 minerais estratégicos para a transição energética, com média de 70% de concentração de mercado. Esses minerais são essenciais não apenas para energia limpa, mas também para setores como defesa, IA e semicondutores. Mais da metade deles já está sujeita a restrições de exportação.
A segurança da eletricidade também entra no radar:
- Dados inéditos da IEA mostram que mais de 200 milhões de domicílios enfrentaram interrupções por falhas operacionais ou eventos climáticos nos últimos anos,
- 85% desses eventos afetaram redes de transmissão ou distribuição.
A agência alerta que a resiliência das redes elétricas, o fortalecimento das cadeias de minerais, a diversificação de fornecedores e a prevenção a riscos climáticos devem ser tratados com a mesma urgência que motivou a criação da IEA após o choque do petróleo de 1973.