Imagine dois médicos que receberam informações idênticas sobre o mesmo paciente dando diagnósticos muito diferentes. Agora imagine que a razão para tal diferença seja porque os médicos fizeram o diagnóstico de manhã ou à tarde, ou no início ou no final da semana.
Isso é “ruído” – a razão pela qual os julgamentos humanos que deveriam ser idênticos variam – e que Daniel Kahneman, um dos psicólogos mais conhecidos do mundo e ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 2002, aborda em seu livro “Noise: A Flaw in Human Judgement”.
Kahneman ganhou seu prêmio Nobel por seu trabalho pioneiro com o psicólogo israelense Amos Tversky sobre como os preconceitos cognitivos moldam o julgamento. Seu trabalho, iniciado no final dos anos 1960, lançou as bases para o novo campo da economia comportamental, que desafiou a ortodoxia econômica de que as decisões são racionais.
O livro anterior de Kahneman, “Thinking, Fast and Slow”, publicado em 2011, trouxe muito desse trabalho à atenção de um público mais amplo e cimentou sua reputação como uma figura fundamental na compreensão do comportamento humano.
Em “Noise”, com coautoria de Olivier Sibony e Cass Sunstein, ele explora um fenômeno diferente do viés cognitivo.
O preconceito (bias) é um processo psicológico e pode ser detectado no julgamento individual, explicou-me o genial psicólogo de 87 anos quando o entrevistei (via vídeo) para o UNSW Center for Ideas. “Mas não podemos identificar ruído em um determinado julgamento”. Em vez disso, devemos olhar para conjuntos de julgamentos para identificar o ruído.
O ruído é um conceito estatístico
O livro de Kahneman apresenta vários casos convincentes de negócios, medicina e justiça criminal em que os julgamentos parecem variar sem um “bom” motivo.
Um exemplo é a análise de impressão digital, com o mesmo analista fazendo julgamentos diferentes sobre a mesma impressão em diferentes momentos. Se o analista tem apenas a impressão digital para olhar – e nenhuma outra informação sobre o caso – e decide em uma ocasião que é compatível e em outra é inconclusivo, isso é barulho.
Se, por outro lado, o analista mudar de ideia por causa de informações extras (por exemplo, ele recebe a informação de que a evidência balística sugere uma conclusão diferente), isso é ser parcial (bias).
Ambos são um problema, diz Kahneman. Mas como o ruído só pode ser identificado nas estatísticas, é mais difícil pensar sobre ele e, portanto, tende a não ser discutido.
Ruído nos julgamentos do sistema
O livro de Kahneman discute muitos tipos diferentes de ruído, mas a discussão mais significativa está relacionada ao ruído do sistema – a variabilidade nas decisões que surgem em sistemas destinados a produzir julgamentos uniformes.
Existem muitas situações em que a diversidade de opiniões é altamente desejável. “O ruído é a variabilidade onde você não quer”, diz Kahneman.
Pense no sistema judicial que produz sentenças ou no sistema de subscrição para definir os prêmios de seguro. Esses sistemas devem ter “uma só voz”. Queremos que as sentenças judiciais reflitam o crime, não o juiz que vai ouvir o caso. Queremos dois especialistas de seguro com exatamente as mesmas informações para calcular prêmios iguais ou semelhantes.
O desafio, então, é identificar a variabilidade indesejada e, em seguida, fazer algo para mitigá-la.
O problema com a intuição
Sobre isso, o livro oferece um insight importante que você pode aplicar ao seu próprio processo de tomada de decisão: resistir à “intuição prematura” – a sensação de que você “sabe” algo, mesmo que não tenha certeza de por que sabe.
Em alguns casos, a intuição é muito útil para tomar decisões instantâneas. Em outras situações, menos urgentes, Kahneman diz que julgamentos baseados em sentimentos intuitivos precisam ser disciplinados e adiados.
Aja com base na intuição apenas depois de fazer uma consideração cuidadosa e equilibrada das evidências, aconselhou ele. Tanto quanto possível, reúna essas evidências de diversas fontes e de pessoas que fizeram seu próprio julgamento independente das evidências.
Sem isso, disse Kahneman, o ruído pode ser facilmente amplificado.
Recorrendo à Inteligência Artificial
Uma resposta à prevalência do ruído nos julgamentos é recorrer às máquinas e deixar que os computadores decidam.
Kahneman ainda não é um entusiasta dessa ideia. Ele acredita que a Inteligência Artificial vai “produzir grandes problemas para a humanidade nas próximas décadas” e não está pronta para muitos dos domínios em que o julgamento é necessário.
No longo prazo, entretanto, ele enxerga um mundo no qual podemos “não precisar de pessoas” para tomar muitas decisões. Assim que for possível estruturar problemas de maneira regular e acumular dados suficientes sobre eles, os juízes humanos podem se tornar supérfluos.
Até la, há muito o que fazer para reduzir o erro humano melhorando o julgamento humano, em vez de eliminá-lo terceirizando as decisões para as máquinas.
Saber sobre ruído (e preconceito) ajudará nesse objetivo.
Ben Newell é Professor de Psicologia Cognitiva, UNSW