O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) lançou a edição mais completa dos Indicadores Nacionais de Ciência, Tecnologia e Inovação, consolidando mais de vinte anos de dados sobre investimento, produção científica e inovação no país. O retrato é inequívoco: o Brasil mede muito, mas ainda impacta pouco.
Estima-se que o país aplique cerca de 1,19% do PIB em P&D e 1,38% em atividades de C&T, proporção praticamente estável há uma década. O setor empresarial responde por praticamente metade dos investimentos em pesquisa, enquanto governos federal e estaduais completam o restante.
Os dados mais recentes são do ano passado, referentes ao ano de 2023, quando o investimento nacional total em Ciência e Tecnologia atingiu R$ 150,9 bilhões e o em P&D, R$ 130,6 bilhões em valores correntes.
O Ministério da Educação liderou os investimentos do Governo Federal, com aporte de R$ 23,788 bilhões, seguido pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, com R$ 13,743 bilhões. Os governos estaduais investiram R$ 25,910 bilhões em Ciência e Tecnologia e R$ 18,979 bilhões em Pesquisa e Desenvolvimento. O estado de São Paulo foi o principal investidor, com R$ 11,825 bilhões em C&T, representando 45,6% do total dos dispêndios estaduais em C&T e o maior percentual de dispêndio em P&D em relação às suas receitas totais (3,07%).
Sabe-se que a produção científica apresentou leve retomada em 2024 após anos de queda, mas sem dados consolidados disponíveis até novembro de 2025.
Havia 42.852 grupos de pesquisa cadastrados pelo CNPq ao fim de 2023; 168.028 pesquisadores doutores (67,9% do total de pesquisadores brasileiros). A quantidade de mulheres pesquisadoras (129.084) superou o homens (118.357), representando 52,2% do total que informou o sexo. Já quanto à faixa etária, a maior concentração de pesquisadores estava entre 35 a 44 anos (36,0%). A idade mediana? 44 anos.
Sabe-se também que, até 2024, foram depositados 27.701 pedidos de patentes no INPI. A maioria dos pedidos foi de pesquisadores não-residentes (19.400), contra 8.301 de residentes. O total de patentes concedidas foi de 12.914. Não-residentes também receberam a maioria das concessões (10.524), contra 2.332 de residentes.
Estes números fornecem uma visão clara dos marcos mais recentes dos indicadores de C&T e Inovação, ajudando a contextualizar o desempenho do país em cada eixo de avaliação.
O que falta? Transformar esses e outros indicadores em estratégia.
Em setembro, o MCTI deu um passo decisivo nesse sentido com o lançamento do Pacto Nacional em Favor dos Indicadores Estaduais de Ciência, Tecnologia e Inovação. Com R$ 13,36 milhões do FNDCT, o pacto garante que todas as 27 unidades da federação passem a contar com ao menos um cientista de dados especializado em mensuração e análise de inovação.
Esses profissionais — que serão formados pelo Ibict a partir do primeiro semestre de 2026 — vão alimentar a Rede Nacional de Indicadores Estaduais de CT&I, coordenada pelo MCTI em parceria com o Consecti e o Confap, como descreve a Fapesp.
| Eixo comum | O que o MCTI mede | O que a FAPESP projeta | O impacto esperado |
|---|---|---|---|
| Governança de dados | Investimentos nacionais e estaduais (macro) | Padronização federativa e cientistas de dados | Política pública baseada em evidência |
| Territorialização da inovação | Desigualdades regionais | Métricas estaduais comparáveis | Planejamento regional por vocação |
| Transparência e dados abertos | Séries históricas completas e públicas | Rede interoperável de coleta | Democracia de informação científica |
| P&D empresarial | Volume de dispêndio | Indicadores de inovação verde e digital | Parcerias universidade-empresa mais eficientes |
| Inclusão e diversidade | Gênero nos grupos de pesquisa (44% mulheres) | Cruzamento gênero × inovação | Diagnósticos sociais mais precisos em CT&I |
A iniciativa representa a institucionalização de um esforço que estava em discussão desde 2023, depois do fracasso de uma tentativa anterior, instituída em 2011 e encerrada em 2016: o de criação de uma base unificada, comparável e interoperável de métricas estaduais de ciência e inovação.
Historicamente, a produção de métricas estaduais comparáveis vem sendo uma tarefa desafiadora, principalmente devido à heterogeneidade das informações geradas em cada unidade da federação. Até aqui, no Brasil, tem sido mais fácil confrontar dados nacionais com os da Suécia ou França (que seguem manuais internacionais como Oslo e Frascati) do que comparar um estado como o Rio Grande do Norte com o Rio Grande do Sul.
O pacto e a operacionalização da nova Rede Nacional de Indicadores Estaduais de CT&I visam resolver essa deficiência histórica de produção de dados subnacionais confiáveis sobre investimento e desempenho em CT&I — lacuna que há décadas limitava o planejamento e a cooperação federativa. A intenção é obter comparabilidade real entre regiões para um planejamento baseado em evidências — algo inédito no país — incluindo também o futuro Índice de Desenvolvimento Inovador (IDI), desenvolvido pela FGV com financiamento do BID, além de novas métricas para inovação verde e participação de gênero em CT&I.
Espera-se também a superação de outro grande obstáculo, que levou à desmobilização de ação anterior: a alta rotatividade (turnover) dos técnicos que participavam das oficinas presenciais anuais que tentavam homogeneizar a qualidade dos indicadores. Frequentemente, a expertise adquirida por esses profissionais se perdia quando eles eram deslocados para outras atividades. A nova rede está construindo uma fundação permanente de especialistas técnicos dedicados (os cientistas de dados) e um conjunto de regras (metodologias padronizadas), garantindo que o conhecimento e a produção de dados não se percam a cada mudança de gestão estadual.
Outros movimentos
A construção dessa infraestrutura de dados padronizados se soma a outro movimento importante: a reestruturação do Comitê de Apoio Técnico da Lei do Bem, o principal mecanismo de incentivo fiscal à inovação corporativa no país. Reativado este mês, o comitê pretende dar transparência e previsibilidade aos processos de análise e retorno técnico às empresas que investem em P&D — uma medida voltada também a reduzir o backlog de mais de 2 mil processos e uniformizar critérios técnicos, segundo o MCTI.
“Até o próximo ciclo de submissão, as empresas terão retorno de todos os seus processos anteriores”, afirmou o MCTI no lançamento.
Esses dois movimentos — o Pacto Nacional dos Indicadores e o novo ciclo da Lei do Bem — se complementam: um cria inteligência pública de dados, o outro melhora inteligência empresarial de investimento. Juntos, eles reposicionam o país na direção de uma governança de inovação orientada por evidências.
O poder (econômico) da ciência aberta
O terceiro eixo dessa transformação é a consolidação da Ciência Aberta como política nacional. As diretrizes em discussão no MCTI buscam fortalecer a governança de dados, a interoperabilidade e o financiamento de plataformas abertas, integrando universidades, agências e empresas em um mesmo ecossistema digital de conhecimento compartilhado.
Experiências internacionais mostram o poder dessa abordagem:
- O COVID-19 Genomics UK Consortium usou dados genômicos abertos para rastrear variantes e orientar políticas de saúde.
- O GovLab documenta que dados públicos de qualidade impulsionam governança, cidadania e competitividade.
- Um estudo recente revelou que artigos com dados abertos têm 4% mais citações e preprints recebem 20% mais impacto — indicando retorno direto em visibilidade científica e inovação colaborativa.
No novo paradigma, abrir é multiplicar — em conhecimento, impacto e valor econômico.
Com esses três pilares — indicadores nacionais, pacto estadual e ciência aberta —, o Brasil constrói, pela primeira vez, uma infraestrutura federativa de inteligência em inovação. O MCTI passa a atuar como centro coordenador da governança de dados, os estados tornam-se pontos de coleta e análise, e as universidades e empresas assumem o papel de execução e aplicação prática.
Mas a engrenagem só gera impacto se o conhecimento circular. Sem padrões abertos, interoperabilidade e cultura de uso, as métricas permanecem estéreis. Com eles, surgem políticas mais precisas, investimentos mais bem direcionados e um ecossistema mais maduro — o passo crucial da métrica ao impacto.
Os países que atravessaram essa fronteira — como Reino Unido, Canadá e Coreia do Sul — compartilham um mesmo tripé: governança de dados, integração público-privada e cultura de colaboração.
Esse é o caminho que o Brasil começa a trilhar. Com dados mais limpos, indicadores comparáveis e incentivos mais inteligentes, o país ensaia um novo tipo de avanço: da contabilidade da ciência à gestão estratégica da inovação, com foco em transformar cada métrica em decisão e cada política em resultado mensurável.
Como cada ator pode usar esses dados
| Setor / ator | O que pode fazer com esses dados |
|---|---|
| Governos estaduais | Usar os novos indicadores e o IDI para desenhar políticas regionais de inovação baseadas em vocações produtivas |
| Empresas e corporações | Identificar ecossistemas locais de inovação e direcionar P&D para regiões de maior densidade científica |
| Universidades e ICTs | Integrar-se à Rede Nacional de Indicadores e adotar metodologias compatíveis com OCDE (Manual Frascati) |
| Fundações e think tanks | Explorar as novas bases de dados como fonte de métricas de impacto social e ambiental. |
Os Indicadores mostram onde estamos.
A Rede Nacional de Indicadores Estaduais mostra como podemos agir.
O desafio — e a oportunidade? Conectar ambos para medir impacto.
Quando a métrica vira impacto
Enquanto o país consolida novas bases para medir inovação, alguns ecossistemas locais já mostram o que pode acontecer quando dados e prática se encontram.
A Unicamp atingiu em 2025 o recorde de 1.515 empresas-filhas ativas, um aumento de 12,3% em relação a 2024. Juntas, essas empresas geram mais de 54 mil empregos e movimentam R$ 28,3 bilhões em faturamento, espalhadas por 195 cidades e 22 estados — prova de que a universidade é, na prática, uma usina de inovação de base científica.
As empresas-filhas da Unicamp estão espalhadas por 195 cidades e 22 estados, em todas as cinco regiões do Brasil, e mantêm presença em 10 países diferentes. O protagonismo é da Região Sudeste, onde estão sediadas 1.397 empresas-filhas. O dado representa 92,2% dos empreendimentos ativos, sendo que destas empresas 5 em cada 10 estão localizadas na Região Metropolitana de Campinas (RMC).
“O Relatório de Empresas-filhas da Unicamp 2025 é o resultado de um longo e contínuo trabalho da Inova. Desde 2006, nosso objetivo tem sido mapear, cadastrar e analisar o desenvolvimento desses empreendimentos, não apenas para medir seu impacto, mas também para fomentar ativamente a comunicação e a integração da Universidade com toda sua rede de empresas-filhas, sendo que desde 2020 passamos a publicar os dados e análises em formato de Relatório”, explica o professor Renato Lopes, diretor-executivo da Agência de Inovação da Unicamp.
Na UNESP, a Agência de Inovação mapeia startups e empresas criadas por ex-alunos ou pesquisadores em áreas como biotecnologia, agro e educação digital. É um retrato de como redes acadêmicas regionais se transformam em núcleos de impacto econômico, antes mesmo da chegada dos indicadores federativos do MCTI.
E na UnB, estudos mostram que spin-offs acadêmicas respondem por mais de 70% dos royalties da universidade — indício de que parte expressiva da transferência de tecnologia no país já ocorre por meio de empreendimentos originados na pesquisa pública.
Esses três casos têm algo em comum: não esperaram o dado chegar para agir sobre ele. São exemplos vivos da transição da métrica ao impacto — quando medir deixa de ser um relatório e passa a ser um motor de transformação.
A padronização e a consolidação desses dados sobre inovação podem mudar o próprio modo como o Brasil formula políticas públicas e desenha estratégias de competitividade. Ao permitir comparações reais entre estados, setores e períodos, o país deixa de operar no escuro. Ao se tornarem linguagem comum entre governo, empresas e universidades, esses números abrem caminho para uma nova geração de políticas baseadas em evidências e para uma economia orientada por conhecimento. Cada indicador deixa de ser apenas um registro e se torna um ponto de decisão — o primeiro passo para transformar métricas em impacto real.