Você pode transformar seus produtos sem primeiro transformar seus serviços? Mas você pode fazer qualquer um desses sem primeiro transformar seus sistemas? Se você começar a transformar seus sistemas primeiro, o que vai acontecer com seus produtos e serviços nesse meio tempo?
Argumentar em favor da transformação digital e dos benefícios que ela vai trazer para os negócios é fácil. Por onde começar? Aí é que as coisas se complicam.
A reposta mais curta é: comece pelas pessoas. A transformação digital tem que começar de dentro para fora, ou seja, transformando a organização interna, partindo das lideranças até alcançar todos os colaboradores. Nesse processo de mudança, a empresa vai construindo uma cultura digital e as pessoas, tendo claramente o rumo para onde a empresa vai, vão ajudar a impulsionar esse movimento.
Em um estudo publicado no site da McKinsey, o consultor Jacques Bughin já cantava a bola de que uma estratégia digital é crítica, mas é preciso também uma cultura que conduza à sua execução. “Isso é particularmente importante quando você segue a estratégia de se tornar um ‘seguidor rápido’ – uma das duas abordagens que tendem a produzir vencedores digitais – em que você não é o disruptor que sacode a sua indústria, mas entra no jogo do invasor rapidamente e depois joga melhor e em maior escala. Essa abordagem só terá sucesso em longo prazo se sua execução for quase perfeita. E para obter essa perfeição, você deve ter a cultura certa. Isso não é fácil para as empresas estabelecidas”, admite Bughion.
O estudo “Pivoting to Digital Maturity”, da Deloitte, aponta que para priorizar os esforços de transformação, é necessário implementar “pivôs básicos” focados em ativos como infraestrutura e talento e, em seguida, aplicar uma ampla gama de pivôs a uma função de negócios para alcançar a transformação sistêmica e abrangente dessa função. “Concentrar-se na transformação das funções operacionais de back-office primeiro é menos arriscado, enquanto o foco nas funções voltadas para o cliente pode produzir impacto no mercado mais rapidamente”, afirmam os autores. Os pivôs digitais são necessários – mas não suficientes – para a transformação digital. Organizações de alta maturidade tendem a se distinguir pela presença de fatores “suaves” complementares, como liderança forte e mentalidade digital, aponta o report.
Como as lideranças podem promover a cultura digital tem a ver com duas visões: a da empresa e do comportamento individual dos colaboradores, segundo o “Digital Culture: The Driving Force of Digital Transformation” publicado pelo Fórum Econômico Mundial. A publicação permite compreender conceitos bem básicos e traz modelos que podem ser aplicados e perguntas para lideranças e empresas identificarem em que ponto da jornada de transformação estão.
O guia sugere que as lideranças tenham em mente:
Lente individual
Comportamentos
- Implementar o modelo a partir de cima, comunicando o comportamento desejado, fornecendo feedback oportuno
- Desencorajar comportamentos indesejados, lidar com medos e resistência por parte de alguns colaboradores
- Ajudar as equipes a compreender os hábitos atuais e construir novos hábitos que apoem os comportamentos desejados dentro do novo modelo
- Introduzir incentivos e estímulos comportamentais
Mindsets
- Comunicar as mentalidades desejadas e como elas impactam o comportamento específico (por exemplo, como abordagem de vendas ou como abordar dando feedback)
- Discutir as mentalidades com a equipe (individualmente e/ou como um grupo) para identificar o que os impede de atingir o comportamento desejado
- Adotar uma abordagem sistêmica: se uma equipe ou indivíduo é resistente, direcionar os comportamentos daqueles ao redor. (Se eles virem os colegas sendo recompensados por mudanças, sua atitude para a mudança deve melhorar)
Valores
- Não há uma maneira direta de mudar os valores dos outros, então os líderes devem se concentrar em ajudar suas equipes a entender a sobreposição de valores pessoais e organizacionais para aumentar a motivação
- Usar a narrativa (storytelling) para compartilhar seus próprios valores (e como chegou a eles) para que as equipes possam começar a jornada sozinhas
Lente da empresa
Práticas Organizacionais
- Anunciar novas políticas, processos ou formas de trabalho
- Realinhar incentivos e KPIs para recompensar os comportamentos desejados (por exemplo, incluir métricas como horas de aprendizagem, feedback dos membros da equipe)
- Alterar direções estratégicas, modelos de negócios ou modelos operacionais
- Atualizar sistemas, introduzir novas tecnologias
Valores da empresa
- Articular uma visão para o impacto social desejado pela organização e experiência do colaborador
- Estabelecer metas para alinhar o impacto dos stakeholders com a visão da liderança e discutir abertamente trocas e prioridades
- Usar a narração (storytelling) para destacar os valores essenciais da empresa, para que as pessoas (e futuros colaboradores) possam se perguntar se são adequadas para a empresa
Melhores práticas
O guia de cultura digital traz ainda uma lista de melhores práticas empregadas por empresas que já passaram pelo processo. Ainda que cada organização tenha de realizar a transformação cultural dentro de suas prioridades e contexto, os autores do estudo apontam ações que foram implementadas por boa parte das companhias com sucesso.
Ter uma visão e um propósito claros. A empresa precisa saber onde quer chegar. Como deseja influenciar sua indústria, os stakeholders e o mundo. Para isso é fundamental articular essas questões com uma visão e propósito claros e definir as prioridades para maximizar o impacto.
Fazer com que os líderes participem do processo. A transformação cultural requer o patrocínio do CEO e o envolvimento das lideranças e do board. É importante se certificar de que as equipes estão alinhadas com os resultados desejados e os motivos para realizar esse processo. Identificar os “campeões” – colaboradores com influência – que podem ajudar a promover e ser modelos de mudança.
Definir KPIs. O que é medido é gerenciado. Definir KPIs para medir o progresso em direção ao resultado desejado, alinhado com as prioridades e claramente vinculado à visão e propósito. A direção precisa se certificar de que as pessoas entendem como os KPIs serão usados e quem é responsável por eles. Isso vai tornar mais fácil a conversa com outras pessoas, à medida que enxergam o progresso dos colegas.
Entender as lacunas da empresa. Realizar uma análise detalhada para entender a cultura atual da organização, como os comportamentos, mindsets e as práticas se alinham (ou não) aos valores individuais e da empresa. Isso vai ajudar a endereçar aspectos específicos da cultura organizacional que podem estar impedindo a cultura digital que se quer atingir.
Não forçar demais o ritmo das mudanças. A transformação cultural é incremental e requer paciência. Mudar muito de uma vez pode causar confusão ou mesmo uma queda no moral dos colaboradores. É fundamental equilibrar a ambição da companhia (onde se quer chegar) e garantir que há recursos disponíveis para levar a transformação até o final. Reconhecer os obstáculos e fazer seu gerenciamento de forma proativa.
Alinhar estruturas e sistemas de suporte. As práticas organizacionais precisam apoiar a mudança cultural. Implementar métricas de desempenho da estrutura, incentivos, tecnologia e arquitetura digital para permitir e encorajar os comportamentos e mindsets desejados. Criar equipes e processos para permitir novas formas de trabalho. Para grandes transformações, é importante considerar a criação de um escritório de transformação para conduzir mudanças e acompanhar o progresso.
Reforçar os comportamentos desejados. Incentivar o envolvimento por meio de experimentos comportamentais, que podem ser usados para criar um ambiente seguro para as pessoas experimentarem coisas novas. Reforçar bons resultados destacando-os diante dos colaboradores e integrando-os em práticas comuns.
Controlar e escalar. Acompanhar o progresso das mudanças usando KPIs estabelecidos. Compartilhar histórias de sucesso e ajustar processos ou ações sempre que necessário. Assim que os resultados começarem a ser notados em projetos menores, pensar em como escalar para outras equipes, unidades e até subsidiárias.