O CEO é visto como a figura mais poderosa da empresa, mas também a mais solitária. A Harvard Business Review conduziu, em 2024, uma pesquisa com executivos canadenses, e o resultado foi impressionante: 55% dizem sentir solidão de forma intermitente, enquanto outros 25% a sentem com frequência. O número é condizente com uma pesquisa global realizada anos antes pela mesma revista, em 2012, na qual 70% dos entrevistados relatava sentir um grau incômodo de solidão com alguma frequência.
Some a isso a pressão por resultados, e você tem um quadro de pouca permanência no trabalho: um levantamento global da consultoria Russell Reynolds mostrou que o tempo médio de um CEO no cargo é 6,8 anos, o mais baixo desde 2018, quando a pesquisa começou a ser feita. Desse montante, cerca de 32% deles deixam o posto por aposentadoria — a enorme maioria é demitida ou pede demissão.
São muitas as razões que podem explicar esse sentimento de solidão. Em geral, as relações hierárquicas criam filtros (dificilmente alguém fala o que realmente pensa ao CEO). E quando a pressão incessante conduz ao esgotamento, que por sua vez leva a sucessões emergenciais e instabilidade, a perda de talentos ocorre em cascata — afinal, se a liderança não está bem, toda a cultura é impactada.
Mas quem cuida de quem lidera?
A distância entre o real e o ideal
“Não quero ao meu lado ninguém que me diga ‘sim’ o tempo todo. Quero que todos me digam a verdade, mesmo que isso lhes custe o emprego”. Essa frase do lendário produtor Samuel Goldwyn, dos estúdios MGM, ilustra bem a dualidade do convívio do CEO com o seu ambiente. Nela estão resumidas as demandas e as fragilidades dessa posição: a necessidade de estabelecer uma rede confiável, a prerrogativa de exercer o poder, o vazio da bajulação, a tentação do ego. A experiência de liderar é um constante trânsito entre todas essas coisas — e muitas outras.
A verdade é que essa solidão tem histórico: esse já era um tema em pauta quando iniciei minha carreira, há mais de 40 anos. Ao longo dessas décadas, minha experiência me permitiu constatar que essa solidão é real, naturalmente, mas não se aplica a 100% dos casos, já que tal sentimento é diretamente proporcional ao real grau de comprometimento do profissional com o crescimento e a perenização do negócio sob seu comando.
O alpinista de carreira, aquele que não tem maiores pretensões do que se manter por dois ou três anos no cargo, somente até conquistar o bônus desejado, provavelmente não vai se sentir solitário. Ele opera segundo uma mentalidade de lucro rápido e a todo custo. Nesse sentido, quanto mais isolado estiver, menos problemas terá para atingir o seu objetivo. Por isso que digo que a solidão dessa posição não é extensiva a todos que a ocupam.
Idealmente, o exercício do poder — corporativo, político, religioso — é uma vocação. Ele deveria nascer do desejo legítimo de construir algo capaz de beneficiar a muito mais pessoas do que a si próprio. É disso que falamos — ou melhor, que deveríamos falar — quando discutimos o legado de líderes empresariais.
O peso da utopia
No Animation Courtyard, uma espécie de museu dentro da Disney World, há a exibição recorrente de um curta sobre Walt Disney (1901–1966). Sempre o assisto quando visito o parque, e não há vez que eu não saia impactado por uma das frases do empresário: “Gosto do impossível. Lá, a competição é menor”. Esse também é outro aspecto que explica a solidão do CEO.
Disney, assim como entre outros visionários, tinha essa busca constante por criar algo maior que ele mesmo e deixar um legado. O número dos que buscaram isso e efetivamente conseguiram é pequeno, mas diversificado: vai de Nikola Tesla (1856 – 1943) a Steve Jobs (1955 – 2011). Em comum, todos tinham a obstinação na procura pela concretização de seus objetivos, e não raro ela lhes custava caro em termos de relações pessoais e afetivas.
Chegar ao topo tem diferentes significados para cada pessoa, mas é difícil percorrer essa jornada sem sacrificar relações interpessoais, sejam elas familiares ou profissionais. Além disso, alguns sucumbem levando suas empresas consigo. É o caso das organizações que desaparecem, ou que são compradas por companhias maiores e perdem toda a sua identidade após a aquisição.
Quase uma rede de apoio
Como costuma ser, o remédio para aplacar essa carga costuma ser mais humanidade. No caso do CEO, significa ter um pequeno grupo bem escolhido ao seu lado. É aquele time cujas habilidades e capacidades complementam as que o CEO não domina, e que favorecem, cada qual em um nível diferente, um trabalho conjunto e em sinergia. Se não chega a ser uma pequena comunidade, pelo menos constitui uma rede próxima de pessoas que o líder consegue ver como seus pares.
Essa, inclusive, é minha experiência pessoal na Lozinsky Consultoria. Com meus sócios, formamos esse grupo em que cada um tem suas características marcantes e que diferem uns dos outros. Convidei cada uma dessas pessoas por razões bastante específicas, de modo que todos trazem algo que complementa o trabalho do grupo. É uma combinação tão singular e bem-sucedida que já mereceu uma dissertação de mestrado, e fico feliz que consigamos manter essa coesão, pois também já pude experimentar, tempos atrás, o quão nociva é a relação com uma liderança onde sobram carreiristas e faltam profissionais com ideais.
Claro que essa configuração não elimina totalmente o problema da solidão, mas certamente o atenua. Há, ainda, a importância de um arranjo familiar onde o/a cônjuge entende que se casou com alguém que assumiu para si uma missão. Ainda assim, não é um equilíbrio fácil, por mais consentidos que os períodos de ausência doméstica sejam.
A verdade é que quem realmente possui uma visão de futuro, com preocupações que vão do estratégico ao operacional, tem dificuldade em parar para cuidar de si. Além disso, a cultura corporativa, em geral, não envolve uma preocupação sistemática com a solidão da alta liderança. Na maioria das vezes, ela tende a isolar o líder que busca uma verdadeira transformação. Por isso, navegar com consciência e autoconhecimento nessa realidade é a maior expressão de autocuidado.