The Shift

Rotulagem de dados: o “combustível cognitivo” da IA corporativa

Sem exagero: apostar em IA sem uma estratégia de rotulagem de dados é como comprar turbinas potentes sem ter acesso ao combustível. O motor é poderoso, mas o avião não sai do chão.

Estudos estimam que a preparação e rotulagem de dados consomem de 60 a 80% do tempo e orçamento de projetos de IA supervisionada, dependendo da complexidade e do domínio. Quando tratada como etapa tardia, a rotulagem corrói recursos com retrabalho e auditorias — e, em ambientes regulados como saúde, finanças e setor automotivo, está no cerne de compliance, explicabilidade e responsabilidade algorítmica.

A virada mais importante é mental. Rotulagem não é custo técnico, é investimento em aprendizado. Três práticas vêm redefinindo seu custo-benefício e formam o novo “trio de ouro” para líderes de IA e CFOs atentos ao ROI:

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  1. Model-in-the-loop: o modelo pré-rotula e mede sua própria incerteza; humanos revisam somente casos ambíguos.
  2. Preferência pareada: comparar respostas (“A é melhor que B?”) substitui notas absolutas, acelerando ciclos e reduzindo divergência.
  3. QA probabilístico: auditoria amostral baseada em risco — “gold sets” e revisão inteligente em vez de 100% de dupla checagem.

Empresas que adotam esses mecanismos relatam redução de 30 a 50% no custo efetivo por rótulo, mantendo a qualidade. A Markaicode demonstrou esse ganho em 2025 em pipelines semi supervisionados; LabelForce e Label Your Data confirmam resultados semelhantes. Esses relatórios detalham drivers de custo, cláusulas de RFP e métricas de qualidade que ajudam a proteger margens e orientar negociações.

Três forças explicam a adoção crescente.

  1. Retorno de curto prazo: quando o modelo aprende com o que acontece “em produção”, métricas de custo por ticket, lead ou decisão correta caem em semanas — não em trimestres.
  2. Risco regulatório: sem rastreabilidade de rótulos, políticas e proveniência, a LGPD transforma o jurídico em gargalo e o marketing em risco.
  3. Diferenciação competitiva: qualquer empresa pode usar o mesmo modelo aberto; ninguém pode copiar o acervo interno de preferências, exceções e correções acumulado pelos fluxos reais.

Quando o pipeline ignora a rotulagem desde o início, a latência de treinamento sobe, o custo de correção explode e o risco operacional cresce.

Essa mudança exige abandonar a ideia de “custo afundado”: rotulagem é capex cognitivo que se acumula como ativo. Cada rótulo aprovado melhora o modelo hoje e prepara casos de uso futuros. Times maduros tratam rótulos como artefatos versionados, com trilha de autoria, políticas e listas “do-not-train”. Isso amarra MLOps à governança (TRiSM) e reduz o custo de auditorias. As dimensões sociais e jurídicas da “cadeia invisível” de trabalho humano — remuneração, condições, consentimento — já integram o mapa de risco corporativo.

A Privacy International vem alertando que a cadeia de rotulagem humana é um ponto crítico de ética e compliance. Rótulos devem ser versionados, com políticas de consenso, logs de autoria e mascaramento de dados pessoais. O caso judicial entre Scale AI e Mercor por suposta apropriação de segredos comerciais reforçou o alerta: contratos de IA precisam agora trazer cláusulas de IP, auditoria e continuidade de serviço — os pilares do framework TRiSM.

A história da Mercor ilustra o potencial econômico dessa infraestrutura humana. Fundada em 2023 para conectar laboratórios de IA (OpenAI, Anthropic) a especialistas em rotulagem e feedback, a empresa negocia uma Series C que pode avaliá-la em US$ 10 bilhões, com run-rate anual de US$ 450 milhões. O movimento expõe um fato novo: a escala da IA não depende apenas de chips ou modelos, mas da engenharia que orquestra humanos e máquinas. Quem controla essa camada de aprendizado controla o ritmo da inovação.

A Bloomberg relata que a OpenAI tem um projeto que paga US$ 150/hora a mais de 100 ex-banqueiros de investimento para criar novos dados de treinamento que reflitam o trabalho pesado realizado no PowerPoint e no Excel por banqueiros juniores, para que o ChatGPT possa automatizá-los.

A boa notícia é que não é preciso escolher entre modelo ou humano. Automação versus trabalho manual é uma falsa dicotomia. Rotulagem eficiente é orquestração: o modelo pré-rotula o óbvio e mede confiança; pessoas resolvem o “cinza” — intenção, contexto, exceção; e o sistema fecha o loop, transformando cada rótulo em aprendizado.

Pipelines híbridos — LLM + humano — com QA amostral e re-treino contínuo mostram ganhos claros em custo e precisão, como documenta o guia Hands-On Labeling with LLM and Human-in-the-Loop“. É assim que o “triângulo impossível” — escala, qualidade e custo — se resolve por design, com limiares de confiança e alocação humano/LLM por complexidade.

Dados sintéticos ajudam a preencher lacunas e testar limites, mas não substituem aprendizado situado. Eles aprendem com você, não por você. O que ensina o modelo a falar a língua do negócio é a correção humana in situ, baseada em produtos, clientes e risco reais.

Recomendações para executivos

Executivos precisam mapear o custo de rotulagem no portfólio de IA, definir estratégias híbridas e incluir governança de rotulagem no pipeline MLOps. Negociar lock-in e confidencialidade é tão essencial quanto treinar o modelo. Escalar IA significa prever custos crescentes de rotulagem e planejar orçamento com estimadores de custo.

Mesmo tarefas simples, a US$ 0,05 por rótulo, escalam rápido em milhões de unidades. Por isso:

Aqui estão três fornecedores brasileiros ou que atuam no Brasil no segmento de rotulagem/anotação de dados, com observações sobre o que se consegue extrair de cada um — com a ressalva de que nenhum deles divulga publicamente uma “tabela de preços por unidade” detalhada. Os valores devem ser obtidos via cotação.

Fornecedor O que oferecem Observações/Relevância para cotação
Kogui (Brasil) Serviços de data annotation focados em textos (ex: classificação, identificação de CNPJ/CPF, contratos) no Brasil. Boa opção para tarefas de NLP/contrato nacional — permita obter cotação local em BRL, estimar por “número de textos”, “classificação de cláusulas”.
Labelify (Brasil/internacional) Anotação/rotulagem de dados para IA, com ênfase em trabalhar grandes volumes de dados rotulados. Pode tratar de múltiplos tipos (imagem, texto) — solicitar faixa de “custo por mil unidades” para imagem/texto, em BRL.
FexData (Brasil) Foco em visão computacional: rotulagem de imagem/vídeo, detecção de falhas, vigilância inteligente. Importante para tarefas de imagem/vídeo — peça cotação para “bounding box”, “segmentação”, com exemplos brasileiros reais para estimar custo local.

Governança, risco e dados prontos para IA

Três frentes mostram ROI com clareza

1) Suporte & CX
A IA categoriza 80% dos tickets; humanos revisam só os 20% de alta incerteza e “casos de borda” — e já rotulam por que o modelo errou. Impacto: MTTR cai, CSAT sobe e a base de conhecimento para de apodrecer.

2) Risco & Fraude
Modelos marcam padrões. Analistas rotulam os “quase” (falso positivo/negativo) e transformam isso em novas features e políticas. Impacto: chargebacks sem sacrificar aprovação de bons clientes.

3) Produto & Busca
Ranqueadores sugerem; usuários e curadores decidem A vs B. Esse dado de preferência, reunido com telemetria, quase sempre rende ganhos de conversão/retensão difíceis de replicar.