O Google tem uma fama tão ruim em termos de lançar e logo depois matar os seus produtos, que isso, já virou até piada. De acordo com o site The Google Cemetery, o Google já matou 166 produtos, que tiveram uma vida média de 4 anos.
A mais nova vítima do abatedouro do Google foi o Stadia, a sua solução de streaming de jogos. O engraçado nessa notícia é que o pessoal do Google Cemetery acreditava tanto na morte do Stadia que eles chegaram a fazer até um site especialmente dedicado a esse produto — porém o Google conseguiu matá-lo bem antes do que previsto por essa turma da zoeira.
Por que é importante: O conceito do Stadia é que estaria chegando a hora dos games deixarem de ser físicos e se tornarem jogos em nuvem, assim como aconteceu com os software. Convenhamos que o conceito pode ter as suas limitações — assim como aconteceu na migração de desktop para web — mas é difícil não imaginar que a indústria de games esteja realmente caminhando nesse sentido.
O quadro geral: O conceito é bom, mas a sua implementação na prática? Como foi? Devin Coldewey, da TechCrunch, é bem enfático em dizer que tecnicamente o produto era excepcional. Se o conceito de jogos por streaming faz sentido e a implementação técnica do produto contou com a competência técnica que o Google tem de sobra, onde foi o problema. De acordo com Coldewey, o grande problema é que ninguém estava confiando que o Google daria uma vida longa ao Stadia.
Nós acreditamos que o primeiro a não acreditar no Google é o próprio Google. Toda empresa funciona como uma mecanismo de usar certos recursos, de acordo com os seus processos e prioridades e chegar a um resultado financeiro. Em condições normais, qualquer projeto que fuja disso não deverá ser bem sucedido.
Nas entrelinhas: Por default, o Google é uma máquina que funciona de forma quase mágica para criar ambientes na internet que são de interesse dos usuários e colocar publicidade muito bem direcionada para esses usuários. Fica bom para quem usa seus produtos e bom para quem anuncia.
Dá para fugir desse molde e ter sucesso? Sim, com certeza. Mas é necessário ter uma priorização extraordinária de pessoas e de recursos. No piloto automático, tudo o que acontece dentro da empresa vai tender a priorizar iniciativas que favorecem o seu negócio principal.
Mas qual foi o problema no caso do Google?
Eles fizeram a transição pela metade. Tecnicamente, o Stadia funcionava muito bem pelo modelo na nuvem. Em termos comerciais, você não tinha a opção de pagar uma mensalidade e jogar vários jogos — você precisava comprar cada um deles, da forma que os videogames tradicionais sempre funcionaram.
Falta de visão do Google? Creio que não — o que acabei de falar aqui é óbvio demais para eles não terem visto. Falta de prioridade? Provavelmente.
Explico. No modelo tradicional (que foi adotado pelo Google), bastaria que eles convencessem os publishers de jogos de que Stadia era uma projeto sério para eles que os publishers ficariam felizes em migrar um jogo que eles já tinham feito para Playstation ou outra plataforma. Com investimento apenas na migração de plataformas, a relação entre o risco e retorno estaria bem garantida para os publishers.
O problema é que, pelo menos no momento atual de mercado, os publishers não tem interesse nenhum em ir para o formato de streaming — do ponto de vista financeiro. Streaming pode ser o futuro, mas as contas continuam chegando. Imagine perguntarem algo assim para um grande publisher “você quer receber uma fração mínima dos R$20 por mês que vou cobrar no meu streaming de jogos ou continuar recebendo R$300 por jogo”?
Há uma solução para isso? Sim, mas aqui que entra a coragem que faltou ao Google — ou acreditar mais em si mesma como a gente havia dito antes. Para que essa transição aconteça, é necessário ser o próprio publisher — o que é exatamente o que a Microsoft está fazendo para criar o Xbox Game Pass.
Conclusão: No fim das contas, se for para o Google entra em mercados sem realmente apostar para valer em tudo o que seria necessário para o seu sucesso, talvez seja melhor continuar com os seus produtos tradicionais mesmo. O mercado até que acreditou, eles que não acreditaram no que poderiam fazer.
Rodrigo Fernandes é também colunista do Daily Muffin.