Pense em um grupo industrial comprometido com o desenvolvimento de produtos químicos desde 1863. Agora pense em transformação digital e ruptura. Há cinco anos, o trabalho de Fernando Birman é fazer com que essas duas realidades estejam em perfeita harmonia. A área liderada por ele ajudou a criar uma mentalidade digital na empresa.
Head of the Digital Office da Solvay, sua missão e a da sua equipe é ouvir seus clientes internos e externos, pesquisar, experimentar e desenvolver soluções digitais que modernizem processos e gerem novos negócios. Em outras palavras, apoiar a adoção de tecnologias digitais que agreguem valor para os negócios e melhorem a forma como as pessoas trabalham. As tecnologias digitais também são fundamentais para o desenvolvimento de processos industriais melhores, mais rápidos e sustentáveis.
A área de Birman integra o tripé de inovação da companhia junto com as áreas de Pesquisa e Desenvolvimento e a Solvey Ventures. Juntas elas ajudaram a Solvay a abrir mão de um portfólio altamente diversificado, dependente de mercados cíclicos, em troca de um portfólio focado de produtos e soluções altamente especializados, feitos sob medida para solucionar os desafios os clientes. É um bom exemplo de empresa que, ao amadurecer digitalmente, não apenas está inovando mais, como está inovando de forma diferente.
Birman é um caçador de rupturas em um universo de rápidas e constantes mudanças. E recebeu a THE SHIFT para conversar sobre seu trabalho. Acompanhe o melhor da conversa.”
Ruptura é…
“Na Solvay tivemos que flexibilizar e estender um pouco o conceito de ruptura para não ficar muito presos somente na ideia de mudança radical. Porque se a gente fosse levar o conceito de ruptura muito ao pé da letra, talvez ainda não tivéssemos nenhum projeto, ou no máximo identificado um ou dois.
Então incluímos no conceito de ruptura aqueles projetos que têm impacto muito grande na forma de fazer negócios, mesmo não sendo uma reinvenção total. E ainda assim, são poucos. Para 90 projetos de melhoria de processos, e experiência de clientes internos ou externos a gente vai ter no máximo 10 projetos de ruptura, considerando esse conceito ampliado com o qual trabalhamos.
“Quando a gente muda substancialmente um negócio, agregando muito valor, isso é considerado uma ruptura.”
Hoje estamos trabalhando em vários pilotos de IoT nos quais a gente coloca sensores nos clientes, ou no produto. Esses sensores trazem informações novas que são analisadas pela Solvay, que conhece o produto e o mercado, gerando serviços e informações extras para os clientes. Isso não muda totalmente o negócio, mas agrega muito valor para o cliente, vendendo coisas muito úteis para ele no formato de software, apps, relatórios. Para uma indústria B2B que vendia só produtos físicos, passar a vender produtos digitais para clientes de áreas como energia, mineração e pesca é uma mudança grande.
Também consideramos ruptura a desintermediação, quando pulamos o cliente e passamos a vender direto ao consumidor. A Solvay está entrando no mercado de prótese e implantes dentários, com polímeros super especiais. Falamos direto com o consumidor e vendemos o produto para clínicas capacitadas a aplicar o produto.
Hoje cada negócio da Solvay tem autonomia para buscar o novo. São 10 unidades de negócio e cada uma delas está em um estágio de maturidade diferente nessa busca pela inovação.
A gente convida o negócio a descobrir o que pode agregar valor ou representar uma ruptura, através da organização de workshops, contratação de consultorias, e por aí vai. Cada unidade de negócio contrata de acordo com o seu budget. Não é algo imposto, mas é algo desejável. Cada um reporta o que pode fazer e o prazo.
Minha área entra na hora da implementação do projeto, ou para dar uma consultoria tecnológica, ou para ajudar na adoção de métodos ágeis, design thinking, análises de user experience, execução de provas de conceito. E a minha área também pode identificar alguma startup ou tecnologia que represente a inovação ou disrupção para uma área específica e fazer a ponte.
“Estamos todos aprendendo a olhar para esse ecossistema de startups como parceiro. Pelo bem do negócio tem que ser assim. Chegamos a empurrar a inovação no começo. Hoje a gente trabalha mais sob demanda. Eu acho isso bom.”
Primeiro, em 2014, a gente começou a trabalhar muito a cultura, através de eventos, palestras, workshops, formação dos funcionários… Eu ficava provocando… Em 2015, a gente organizou uma visita do board da empresa ao Vale do Silício. Hoje parece bobagem, mas naquela época, ajudou a dar o clique. Os executivos acordaram e começaram a não só a falar como a cobrar de todo mundo uma estratégia digital.
“A empresa inteira começou a olhar para fora, para as dores dos clientes, a falar de novos modelos…”
Cada unidade de negócio começou a fazer o que era possível, respeitando a cultura e o mercado. Com o tempo a estratégia digital foi se fundindo com a estratégia de negócio. Hoje, o nível de resposta de cada unidade é bem diferente. A gente percebe que algumas deslancharam e outras ainda têm muito por fazer. Mas todas têm noção da importância do digital. Sabem que o digital é a inovação. Entendem que o digital traz oportunidades de melhorar o negócio.
Lidero uma equipe de 20 pessoas que atua como facilitadora para essas 10 unidades de negócio, e que não olha só para a ruptura. Continua olhando para melhoria dos processos internos também. Porque a gente quer incorporar novas tecnologias que modernizem a forma de trabalhar, que facilitem a gestão dos prédios, e por aí vai. Antes essa equipe era formada por generalistas. Hoje são todos especialistas, porque eles precisam entender, mais que as áreas de negócio, das tecnologias que vamos usar.
“A hora que a empresa como um todo, em cada unidade de negócio, souber buscar o digital, a minha área pode ser totalmente absorvida pelas áreas. Trabalhamos para isso. É importante para o grupo que o digital seja cada vez mais mesclado ao core de negócio.”
Hoje a gente já tem unidades de negócio que estão muito perto dessa autonomia, de não precisar do nosso apoio e mentoria, e outras áreas que ainda são totalmente dependentes. Quem já era inovador lá atrás, sempre soube respeitar as ideias e dar espaço para o novo surgir.
O principal desafio é aproveitar as melhores oportunidades tecnológicas que podemos identificar e tentar implantá-las rapidamente. Então o trabalho requer uma quantidade intensa de construção de relacionamento interdepartamental.
Com a TI, por exemplo, é uma cooperação total. A área Digital não pode trabalhar sem a TI. Nossa tarefa é testar novas tecnologias e fazer com que funcionem. Fazer provas de conceito, pilotos… Depois que a gente aprova o uso de uma nova tecnologia, toda a operação é repassada para a TI. Mas esse repasse tem que ser feito de forma cuidadosa. Por isso o sincronismo e a parceria com a TI são fundamentais.
“A novidade de hoje vai ser o legado de amanhã”
Hoje a empresa tem quase 50 robôs em operação, e esse número vai explodir. RPA a gente trabalhou e homologou 4 anos atrás. A TI é que toca RPA hoje. Os primeiros projetos de Analytics também foram feitos por nós em 2014 e 2015. Hoje é um assunto dominado pela TI. E até por algumas áreas de negócio. P&D, por exemplo, já tinha cientistas de dados antes desse profissional passar a ser chamado assim. Eles sempre trabalharam com muitos dados, simulações… O mesmo acontecia em algumas áreas indústriais. Hoje existe uma cooperação muito grande entre os cientistas de dados das três áreas.
No IoT Industrial estamos estudando todos os padrões de comunicação no nosso Laboratório de IoT em Bruxelas, onde vamos armazenar os dados, como vamos armazenar… Recentemente tomamos a decisão de colocar tudo na Google Cloud Platform, e colocar uma antena 4G dentro de uma das nossas fábricas. Uma usina química tem muito metal nos tanques, dutos… tudo isso bloqueia o sinal de WiFi. O custo para usar só WiFi seria muito alto.
O cenário de IoT interno está bem dominado. Nosso desafio agora são os projetos de IoT externos. Esses esbarram em questões como o GDPR, por exemplo. Principalmente em relação a cibersegurança dos dados.
É preciso primeiro saber dar espaço para que as ideias surjam. As grandes ideias disruptivas não necessariamente vêm de um laboratório, de um cara inteligente… Qualquer um, inclusive um cara operacional, pode ter aquele insight. O desafio é saber dar oportunidade para isso acontecer. O digital é uma fonte brutal de oportunidades.
O dono e a principal liderança da empresa têm que liderar o processo e mostrar que existe uma onda de inovação que vai chegar nela. É difícil achar que algum negócio esteja totalmente imune às mudanças que o digital trouxe.
Se a mudança ainda não chegou, ela vai chegar, porque ela já chegou no seu cliente, inclusive o cliente B2B, e se você não fizer nada você pode ser levado pela onda. Os bancos, por exemplo, estão sendo comidos pelas bordas. As fintechs estão incomodando. Tanto é que eles já começaram a se mexer.
Mesmo indústrias como as nossas, que são muito B2B, precisam estar atentas. Acompanhar o que está acontecendo com os clientes. Por exemplo, um dos nossos maiores clientes é a cadeia automotiva. É óbvio que ela está mudando. O compartilhando de automóveis é uma tendência consolidada e irreversível, que vai representar uma redução da frota. Lá no Vale do Silício eles falam que a frota atual vai ser dividida por 10. O carro elétrico vai forçar uma mudança nos projetos, consumir novos materiais. A Rhodia precisa estar preparada para substituir alguns metais, fornecer produtos para as novas baterias… Se a Amazon começar a vender produtos químicos de uma hora para outra, a gente vai ter que mudar porque esses produtos vão virar commodities.
“O seu cliente pode desaparecer, ou mudar tanto que se você não estiver preparado para atender, outra empresa vai tomar o seu lugar.”
Se eu fosse convidado hoje para assumir a TI de uma empresa brasileira e dono falasse que ele precisa de alguém para implantar um desses sistemas de ponta, desses grandes players da tecnologia, eu diria a ele que é mais importante olhar para o negócio e saber se ele vai sobreviver, do que fazer um implantação caríssima na retaguarda. Primeiro ele precisa se preocupar com a continuidade do negócio.”
Leituras de caçador
- Contra a ruptura, lance novos negócios com liberdade de startup e acesso a vantagens de empresas grandes. [McKinsey]
- O inimigo interno. Quando os “guardiões do templo” sabotam sua Transformação. [Didier Marlier/Managing Partner Enablers Network]
- Resiliência no Século 21. Como construir volantes disruptivos com gaming, IA e Deep Learning. [Strategy+Business].
- Inteligência Artificial. Montando uma organização empoderada por IA [HBR.com]
- Decodificando talentos. Mudanças na força de trabalho e nas competências do futuro [BGC]