The Shift

Depois do encantamento, os riscos

Às vezes eu me sinto dentro de “2001: Uma Odisseia no Espaço”, vivendo em um futuro que encanta e assusta ao mesmo tempo. Este ano foi marcado pela corrida ao ouro, ou melhor, à IA. Era uma experimentação desordenada, um desespero para escalar, uma despreocupação com a regulamentação que parece que, diante de tanto encantamento, os riscos foram todos esquecidos.

Mas 2026 é o ano da realidade. Não porque o mundo ficou mais perigoso, mas porque finalmente admitimos que estamos cercados por camadas de tecnologia que já não controlamos. A euforia dos protótipos brilhantes de IA dá lugar à ansiedade do “vai dar ruim”.

No SXSW London, ouvi algo que segue ecoando. Inteligência Artificial é fascinante, mas exaustiva. A frase revela mais do que parece: o futuro exige fôlego. Em 2026, os riscos deixam de ser isolados e passam a ser sistêmicos. Ciberataques conduzidos por IA, com perfis sintéticos mais convincentes, malware adaptativo e agentes autônomos para ataques persistentes são alguns exemplos.

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O conteúdo sintético corrói a confiança em informações, mercados e até em eleições. Uma pressão inédita se dá sobre energia e infraestrutura, por causa de data centers que crescem mais rápido do que a capacidade de sustentar seu apetite. Sem contar a concentração de poder tecnológico em poucas empresas e países, que cria dependência e vulnerabilidade de escala.

Enquanto isso, já avistamos a “frontier AI”, uma IA superpoderosa ainda em estudo, que pode oferecer ameaças que nem imaginamos em áreas como saúde e gestão e até tomar atitudes que ninguém pode prever. Já passou da hora de implementarmos uma agenda regulatória.

O maior risco: as decisões humanas

Conselhos seguem aprovando iniciativas “estratégicas” sem perguntar de onde vêm os dados, quem responde por eles e quais vieses carregam. O consumidor já começou a cobrar e o acionista percebeu que não existe retorno sustentável sem base confiável – e limite moral.

Nem todo ganho técnico compensa o desgaste social ou reputacional. Antes de automatizar, convém sondar: isso será percebido como repugnante? Esta due diligence ética evita rupturas culturais e perda da confiança. Performance não resolve tudo. Essa crença destrói valores no longo prazo.

No fim, a curva se inverte. Após décadas perseguindo automação, o diferencial volta a ser o humano. Como bem disse a pesquisadora Keyun Ruan, CISO da Google, “a tecnologia não decide como vai impactar a sociedade. Ela é projetada a partir do olhar sobre a sociedade”.

Propósito é o algoritmo invisível que guia a organização. E a ausência de governança nunca é invisível: ela aparece no desastre do viés estrutural, dos dados furados e das decisões enviesadas travestidas de eficiência. Transparência virou capital reputacional.

Quer saber o pior? O risco mais silencioso prospera no topo: a indiferença confortável da liderança. É o famoso “deixa para a TI resolver”, frase que deve ser aposentada ainda em 2025, se possível.

A arquitetura de dados precisa se conectar com o modelo de negócio e isso requer repertório. A ignorância digital executiva é o maior gargalo de inovação. E não adianta esperar: o futuro não pedirá espaço na pauta do conselho. Já está sentado à mesa.

Quando o risco vira vantagem competitiva

Empresas que integram IA à operação, e não apenas ao marketing, aceleram valor. Líderes que assumem responsabilidade digital e tratam cybersecurity como pilar ampliam reputação e não temem os riscos.

Afinal, 2026 será o ano do risco com propósito. O salto não será técnico. Será de liderança: curiosidade disciplinada, ética aplicada e accountability real.

O verdadeiro perigo nos próximos meses é viver a ilusão de que a IA já foi dominada. No mundo que estamos construindo, permanecer nesse lugar é correr o maior risco de todos: o de estagnar.

Ainda inspirada em Kubrick, penso que toda tecnologia que nos transforma também nos obriga a escolher que tipo de humanidade queremos levar adiante. E se for para se arriscar, que seja para evoluir.