The Shift

Brasil e o desafio da credibilidade climática

Embaixador brasileiro no Reino Unido, Antonio Patriota, discute papel do Brasil na sustentabilidade global

Em um mundo que se mostra cada vez mais cético diante de promessas vazias, reputação e influência não se constroem apenas com boas intenções mas com coerência, presença e articulação. Foi essa a mensagem que o embaixador do Brasil no Reino Unido, Antônio Patriota, levou à SXSW London, durante sua participação no Nature & Climate House, um dos espaços mais estratégicos do festival global. Em sua fala, mais do que apresentar dados ou compromissos, o embaixador deu forma àquilo que o Brasil precisa entregar ao mundo nos próximos anos: uma narrativa sólida, diplomática e confiável sobre sustentabilidade.

“O Brasil iniciou sua transição energética nos anos 1970, muito antes do tema se tornar mainstream”, lembrou o embaixador. A fala não foi apenas um resgate histórico, mas uma tentativa deliberada de reposicionar o Brasil como um país com legitimidade para liderar o debate climático global. De fato, fomos sede da Rio-92, da Rio+20, e seremos agora anfitriões da COP30, no coração da Amazônia. Mas, como o próprio Patriota alertou, reputação internacional não se sustenta no passado. “Ela precisa ser projetada com coerência entre discurso e prática.”Num ambiente em que a confiança é um dos recursos mais escassos da governança global, o Brasil tem uma oportunidade estratégica: ocupar, com autoridade, os espaços onde o futuro da sustentabilidade está sendo imaginado como o SXSW, em que criatividade, ciência e impacto social se entrelaçam”.

Participar desse ecossistema que reúne lideranças de governos, empresas, ONGs e comunidades locais evidenciou algo essencial: construir influência global hoje exige mais do que políticas públicas. Exige escuta ativa, articulação multissetorial e uma narrativa que inspire confiança.

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E foi exatamente o que Patriota fez ao declarar: “A COP30 será um ponto de convergência não apenas para governos, mas para a sociedade civil, o setor privado, os povos indígenas e todos os atores da mudança”. Ao trazer o foco para a Amazônia, o Brasil não apenas expõe sua maior vulnerabilidade climática, mas também convida o mundo a testemunhar, in loco, os desafios e os compromissos de uma das regiões mais decisivas do planeta.

Sua fala também chamou a atenção para a ameaça de um colapso na governança global. “Vivemos não só o risco de um tipping point climático, mas também sistêmico: o colapso da cooperação internacional”, alertou. Essa visão amplia o debate e reposiciona o Brasil como defensor do multilateralismo e da racionalidade diplomática em um mundo cada vez mais polarizado.

A reputação do Brasil no cenário internacional depende mais da capacidade de mobilizar, negociar e engajar sem populismo, sem improviso. Precisamos mostrar que temos método, estratégia e vocação para articular soluções viáveis. E que não se trata apenas de “salvar o planeta”, como lembrou o embaixador citando o fotógrafo Sebastião Salgado, mas de salvar a nós mesmos. “A Terra se regenera. O que está em risco é a habitabilidade humana.”

O desafio da COP30, portanto, vai além da organização logística. Trata-se de conduzir uma diplomacia climática baseada na credibilidade. Um pacto em que o Brasil assume o papel de ponte entre o Norte e o Sul, entre ambição e realidade, entre política e ciência. É preciso alinhar intenção, ação e narrativa. Só assim o Brasil será reconhecido não apenas como um participante do debate, mas como um condutor legítimo da próxima fase da governança climática.

O país tem ativos inegáveis: uma matriz energética predominantemente limpa, conhecimento diplomático, vasto patrimônio ambiental e uma sociedade civil mobilizada. Mas também tem ruídos e contradições que precisam ser enfrentados com transparência. Por isso, a comunicação sobre sustentabilidade não pode ser um acessório ela é parte da solução.

A COP30 pode ser o início desse novo ciclo. Um ciclo em que reputação e sustentabilidade caminham juntas e em que o Brasil, finalmente, passa a ser percebido como confiável.


* Patricia Marins é fundadora da Oficina Consultoria, especializada em alto impacto em reputação e influência. Autora do livro “Muito além do media training – o porta-voz na era da hiperconexão”. A executiva está em Londres acompanhando a SXSW London 2025