The Shift

Aprendizagem corporativa, arte e ruptura

“Quando o homem encara a vida de um ponto de vista artístico, o cérebro passa a ser um coração” – Oscar Wilde

Venho de um mundo que mesclou sempre arte e educação das mais diversas formas. Foram as habilidades que desenvolvi nesse contexto tão rico que me trouxeram para a Afferolab há quase 12 anos, aliás.

Tive espaço fértil para atuar no desenvolvimento de novas metodologias para treinamento e desenvolvimento de pessoas partindo da premissa de que a ampliação do olhar é essencial para fazer conexões entre o que há de lindo, provocador, desconfortável e complexo no mundo e a forma de trabalhar dentro de uma organização, seja liderando equipes, gerenciando projetos, lidando com pessoas as mais diferentes, inclusive nós mesmos.

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Assim, um caminho para essa ampliação do olhar no trabalho que realizamos tem sido, há anos, pavimentado por processos cujo principal objetivo é criar experiências memoráveis, pois são elas as que realmente mudam as pessoas. Apaixonada por arte como sou, posso dizer que essa forma de linguagem – porque arte é linguagem –, se apreciada e entendida em todas as suas nuances, enriquece o ser humano de uma maneira tão arrebatadora que muda as pessoas para sempre nos mais diversos aspectos. E para melhor.

Em tudo o que fazemos, das formações mais básicas às mais complexas, temos em mente que a experiência do aprendiz precisa ser memorável para fazer real diferença. Experiências memoráveis marcam, se estabelecem, consolidam talentos e mudam como vemos o nosso redor, e isso impacta além da vida profissional.

Considerando o momento VUCA/BANI do mercado, minha ideia com este artigo é mostrar o paralelo que existe entre a apreciação artística e todos os desafios a que ela nos impele e o “abrir a cabeça” para a aprendizagem que o novo contexto demanda de quem pretende se manter antenado com o futuro do trabalho.

Do que é do ser humano

É possível que uma das características humanas mais marcantes seja a vontade de criar. Ao longo de nossa existência, apreendemos dados da realidade para podermos ir além dela, em uma ânsia de ultrapassar o que já nos é conhecido.Percebem a similaridade com o aprendizado?

Para além do habitual, odiálogo entre razão e sensibilidade nos possibilita ver diversos ângulos dos fenômenos, formular hipóteses, projetar soluções, recriar o que já se sabe ouaté mesmo trazer ao mundo algo que não existia antes. 

Se a criação faz parte de nossa vida cotidiana, pessoal e profissional, aciência e a arte são dois campos nos quais a inventividade é muito perceptível.Especificamente a arte toma como matéria-prima um amplo espectro de elementos que vai do mais subjetivo ao material e concreto, do individual ao histórico-social. Arte pressupõe criação, entretanto, ao apreciarmos obras de diferentes períodos é possível perceber que algumas reforçam determinados padrões ou estilos atrelados aos seus contextose outras tantas materializam um pensamento libertário e vêm caracterizar rupturas. Pode-se dizer, então, que arte é resultado de modos de pensar e agir em determinados contextos – o que se conecta também com o mercado corporativo.

Sobre os ganhos que a arte contemporânea proporciona

A arte pode promover experiências aprofundadas, marcantes e ampliadoras, que mesmo sem perceber, transferimos para outras áreas de nossas vidas. Como a arte contemporânea amplia possibilidades de interpretação, apreciação e leitura estética de aspectos da vida e do mundo, ela pode nos possibilitar o despertar de olhos mais atentos e questionadores, o que torna nossa percepção mais aguçada para as sutilezas. 

Mesmo que seja desestabilizadora e muitas vezes inquietante, é uma forma de expandir o conhecimento e a criatividade. Vencer desafios, não no sentido de “dar a resposta correta”, mas de nos aproximarmos de algo que parecia muito distante e tecermos conexões a partir do que nos parecia impossível.

A cada nova ruptura, a arte contemporânea apresenta singularidades, permitindo que cada proposta artística não aceite generalizações e nem o apego a categorias pré-definidas. É um exercício contra os preconceitos e as ideias engessadas, que estimula novas conexões diante de cada obra e a cada vez que ela é apreciada. É uma forma que pode nos ajudar a nos tornarmos mais vivos e inteiros, que ajuda a despertar o criador que habita em nós, não de um jeito “perfeito” ou utópico, mas que expande nossa consciência acerca da exploração de possibilidades. “Puxa” ideias e conhecimentos que não sabíamos trazermos em nós. Há obras que são inesgotáveis e podem nos tornar mais conscientes do inesgotável nos outros, no mundo e em nós mesmos.

A arte, de todos os períodos, favorece o estabelecimento de ricas conexões. Entretanto, é em meio à chamada arte contemporânea que, talvezcomo apreciadores, encontremos os maiores desafios. Fruto de nosso tempo, asmanifestações artísticas atuais podem funcionar como portais que causam estranhamento,desestabilizam, estimulammil perguntas,requisitam uma grande abertura de modo arompercom o pensamento linear e os padrões anteriores; elançam-nosem uma rede de múltiplas conexões.  

Tantas vezes diante dessas manifestações percebemos que estamos repletos de dúvidas, mas encorajados à experimentação. Nesse sentido, na qualidade de “coautores” recriamos as obras através de nossa interação e denossascriativasconexões, hipóteses, memórias e sonhos.  E assim, enriquecemos, diante e junto da arte e da vida.

É disso tudo que falo, portanto, quando digo que experiências de aprendizado devem ser memoráveis. Traçando um paralelo com a apreciação da arte contemporânea, novos olhares, novos comportamentos, atitudes e novas situações no dia a dia de trabalho nos causam desconforto pela quebra de conceitos e vieses enraizados e, como uma rasteira da vida, fazem com que nos movamos para superar o estranhamento, nos desestabilizam e nos levam a enxergar, por vezes, algo que não víamos antes.

Um paralelo importante a ser traçado aqui é aquele que une a disrupção da arte contemporânea à disrupção que a transformação digital causou e vem causando na curva de crescimento das empresas. Em ambos os casos, trata-se de rupturas exponenciais, que transformaram totalmente o que era entendido como arte ou mundo dos negócios até então.

O artista e o executivo

Diante dos problemas do mundo atual, através de sua poética (modo de fazer) o artista não faz mais obras-primas, mas inventa soluções que não são fechadas. Propõe situações elaboradas, mas não são certeiras, que envolvem riscos e buscam despertar os sentidos e o intelecto dele mesmo e dos apreciadores, conectados com a complexidade da vida, em meio ao extraordinário e ao cotidiano, à sua poesia, efemeridade, contradições, mistérios e dores, artesanal e tecnológico.

Se inserirmos o contexto de mundo VUCA/BANI é possível trazer tudo isso que eu disse acima para o mercado corporativo. Diante de desafios nos negócios, mesmo com mais experiência, o líder não atua mais sozinho e não é sua atribuição exclusiva inventar soluções para todos os problemas, porque eles são mutáveis e exigem que as soluções também sejam adaptáveis, além de pensadas em conjunto, colaborativamente e cocriadas. O líder propõe, testa, estimula, inspira, erra e aprende com os erros – o que desperta nele mesmo e em sua equipe o sentido do desenvolvimento constante e ao longo da vida em meio ao que volátil, incerto, complexo, ambíguo, frágil, que desperta ansiedade, ao não-linear e ao incompreensível.

Por fim, como gostam de dizer Silvia Bassi e Cris De Luca,“a ruptura é a única constante do século 21”. Partindo dessa máxima — em que acredito de verdade —  vale a reflexão: se a ruptura é uma constante na Economia de hoje e do futuro, é melhor não sofrermos pelo que passou e não vai voltar mais e fazermos dela o nosso contexto, buscando enxergar sempre à frente e vivendo cada minuto das experiências do caminho, principalmente as memoráveis, pois elas são divisoras de águas.

Texto de Daniela Libâneo, diretora de Tendências de Aprendizagem na Afferolab.
Formada em Pedagogia pela PUC SP, tem mestrado em Arte pela Unicamp, é coautora
do livro Arte Por Toda Parte, editora FTD, ganhador do Prêmio Jabuti de 2015.